Muitos benefícios são relacionados às diversas práticas meditativas existentes atualmente e, apesar de uma boa parte deles ainda carecerem de evidências científicas mais robustas, aqueles relacionados ao estresse possuem dados que nos permitem fazer afirmações mais confiáveis.
Escrevi um pouco mais sobre isso em outro texto em nosso blog (clique aqui para ler).
Um ponto de partida importante para falarmos sobre os possíveis impactos da prática meditativa no estresse é ter clareza sobre o que é o estresse e como ele funciona.
Como a ideia é facilitar ao invés de complicar, farei um esforço para simplificar a explicação sem deixar informações importantes de lado.
É comum utilizarmos a palavra estresse em diferentes situações ou contextos em nosso dia a dia, mas isso não significa que de fato estejamos nos referindo a mesma coisa. Por exemplo, às vezes dizemos coisas como: “estou estressado”, “o meu dia foi estressante” ou “essa pessoa me estressa” etc.
Normalmente, afirmações como essas dão conta de descrever ou representar apenas uma parte específica do estresse e não necessariamente o processo do estresse em como um todo. Mas é fundamental entender o estresse de forma mais ampla para de fato saber se realmente há algum impacto da meditação no estresse.
Talvez o estresse não seja exatamente o que você imagina
Aviso: a afirmação a seguir que pode parecer estranha à primeira vista:
“O estresse não é seu inimigo”.
O que quero dizer com essa frase é que ele não é necessariamente ruim, na verdade, me arrisco a afirmar que ele é extremamente importante para nós.
E por que faço essa afirmação?
O estresse, ao contrário do que costumamos pensar, não é um problema. Ao menos até o ponto em que ele é empregado quando há uma real necessidade.
É comum relacionarmos a palavra estresse a um significado negativo, porém, esse significado conta apenas uma parte da história.
De fato, o estresse pode se tornar algo bastante prejudicial mas nem sempre é assim. Há um outro lado importante do estresse que está relacionado à salvar nossas vidas.
O que?
Isso mesmo que você leu! O estresse pode salvar sua vida, principalmente em uma situação de extrema ameaça.
Estresse: um aliado inesperado
O estresse é um “Mecanismo de adaptação”.
Hum?! Como assim?
Isso quer dizer que o estresse nos prepara para enfrentar ou lidar com uma ameaça ou perigo de forma mais rápida e eficiente aumentando as nossas chances de sobreviver ou de evitar outras possíveis consequências negativas.
Aqui vai um exemplo.
Suponha que você está tranquilamente atravessando a rua quando de repente um carro aparece em alta velocidade. Ao notar que o carro está vindo em sua direção a única coisa que você tem tempo de fazer é dar um salto para sair da frente do carro.
Graças a sua rápida reação você chegou do outro lado da rua sem ser atingido(a) pelo carro.
Ao chegar na outra calçada é possível perceber que algumas sensações ainda estão presentes em seu corpo como os batimentos cardíacos acelerados, respiração ofegante e talvez alguma tensão muscular.
E preciso te contar uma coisa.
Sem o estresse, provavelmente você não teria sido capaz de escapar ileso(a) dessa situação.
Entendendo o estresse
De acordo com Hans Selye, o primeiro a empregar o termo no âmbito da saúde, o estresse é: “Uma resposta não específica do organismo a qualquer demanda ou pressão”.
Vejamos o exemplo de atravessar a rua que mencionei anteriormente, talvez fique mais claro de visualizar o que significa essa definição de Selye.
Tudo começa com o carro em alta velocidade indo a sua direção (chamamos isso de estressor/ameaça), ao perceber que aquele veículo oferecia um risco real, seu organismo ativa o que chamamos de Mecanismo de Luta, Fuga ou Congelamento.
Como consequência disso alguns hormônios são liberados em sua corrente sanguínea (talvez os mais conhecidos entre eles sejam o cortisol e a adrenalina), o que causa uma série de alterações como aumento da frequência cardíaca, aumento da pressão arterial, mudança no ritmo da respiração etc.
Lembra-se que mencionei o estresse como um “Mecanismo de Adaptação”?
Pois bem!
Quando o processo que descrevi acima é desencadeado o que está acontecendo é que nosso organismo está preparando o corpo para melhor se adaptar ao que está por vir.
As alterações fisiológicas como aumento da frequência cardíaca e aumento da pressão arterial ajudam a levar mais sangue para os músculos dos braços e das pernas que serão utilizados se for necessário lutar ou fugir.
Outra mudança que ocorre é a hiperexcitabilidade que deixa nossas percepções sensoriais mais aguçadas. Isso permite que ampliemos a capacidade de assimilar as informações que podem ser importantes durante um momento de perigo.
Há também a dilatação das pupilas para melhor captação de luz, uma maior acurácia auditiva o que possibilita ouvir mais claramente, além dos pelos do corpo ficarem eriçados melhorando a nossa capacidade de detectar vibrações no entorno.
Talvez, caro leitor ou leitora, uma dúvida esteja em sua mente nesse momento:
Mas se o estresse não é meu inimigo e pode inclusive salvar minha vida, quando ele se torna algo prejudicial?
O estresse pode começar a ser um problema quando não há uma modulação adequada da reação de luta, fuga e congelamento, ou quando empregamos toda a energia desta reação a situações em que não há um risco real a nossa integridade e lidamos com esses eventos como se as ameaças fossem reais.
Estas ações acabam prolongando ou ativando a resposta de luta, fuga ou congelamento por mais tempo do que é necessário. Durante o nosso dia não somos ameaçados de um assalto ou por alguém querendo nos bater o tempo todo, porém, ainda assim muitas vezes encaramos determinadas situações bem menos ameaçadoras do que essas como se fossem riscos reais.
Talvez você já tenha notado em sua própria experiência que a reação de luta, fuga e congelamento foi ativada em um momento que você sentiu frustração, sentiu falta de controle da situação ou quando algo te surpreendeu como no caso do exemplo do carro vindo em alta velocidade em sua direção.
Ao encarar frequentemente situações normais como ameaças reais, pouco a pouco passamos a interpretar outros acontecimentos como ameaçadores, podendo causar uma condição crônica de hiperexcitabilidade. O que pode trazer inflamações e alterações biológicas e psicológicas.
Infelizmente, algumas dessas alterações podem, inclusive, acelerar o processo de envelhecimento celular.
É claro que o estresse não depende de apenas um aspecto, ele é multifatorial, contudo, um destes fatores tem um papel fundamental no quanto de estresse vamos experimentar: a percepção.
A percepção é importante principalmente por dois motivos:
- Ela é passível de ser modulada;
- Influencia como o indivíduo se relaciona com momentos estressantes e, em alguma medida, como estes momentos o impactam.
Mas o que isso quer dizer na prática?
- Significa utilizar a nossa percepção de forma mais ampla e menos automatizada especialmente diante das dificuldades;
- Olhar de maneira mais ampla ajuda a enxergar as diferentes possibilidades diante da mesma situação. Desta forma, pouco a pouco vamos mudando a nossa relação com momentos estressantes, o que afeta também o impacto que eles têm sobre nós.
Vamos refletir um pouco usando alguns exemplos do nosso dia a dia.
Sabe quando acordamos mais desanimados ou de mau humor?
Nesses dias parece que tudo está ruim, não é mesmo?
Ficamos irritados com coisas que normalmente nem ligamos, um simples bom dia parece ser uma ofensa ou uma tentativa de nos prejudicar, falta paciência e calma.
Mas o contrário também acontece, certo?
No dia em que estamos de bom humor ficamos menos sucetiveis a nos irritarmos à toa.
Podemos dar até aquela topada com o dedinho do pé na quina de alguma coisa e somos capazes de dar risada apesar a dor.
Ampliando horizontes
De acordo com Shawn Achor, pesquisador e autor do livro “O jeito Harvard de ser feliz”, é possível treinar nosso cérebro para sermos “mais positivos, criativos, resilientes e produtivos e enxergar mais possibilidades no mundo.”
Enxergar mais possibilidades é extremamente importante porque, a partir disso temos a chance de escolher como vamos lidar com o estresse e, ao invés de apenas reagir de uma forma que implica em aumentar estresse, podemos escolher respostas mais eficazes e eficientes para gerenciar momentos e situações difíceis.
É justamente isso que nos ajuda a mudar nossa perspectiva e, diante de uma mesma situação poder agir e se relacionar com aquele momento de formas diferentes.
Ou seja, é um dos principais elementos que podem fazer uma grande diferença entre topar o dedinho e estragar o resto do seu dia ou levar esse momento de forma mais leve e descontraída sem deixar que isso controle seu estado de humor.
Ok! Antes de falarmos sobre a meditação, vamos recapitular o que vimos até aqui.
- O estresse não é nosso inimigo mas sim um mecanismo de adaptação que visa nos proteger e nos manter vivos;
- O processo do estresse é desencadeado ao detectarmos algo como ameaçador ou potencialmente perigoso e prepara o nosso corpo para enfrentar uma ameaça;
- A maneira como interpretamos determinadas situações pode impactar em quanto de estresse sentiremos;
- É possível treinar a nossa mente para olhar para momentos desafiadores de forma mais ampla e menos automatizada;
- Ao ampliar nossa forma de enxergar temos mais oportunidades de mudar a relação que temos com eventos estressantes, sendo menos impactados por eles.
E como a meditação entra nessa história?
Finalmente começaremos a conversar sobre a meditação e se ela realmente pode nos ajudar a diminuir o nosso estresse.
Primeiro, é importante deixar claro que existem muitos tipos de meditações e aqui estamos nos baseando em um tipo espeífico de meditação: a meditação mindfulness.
Levando isso em consideração, as informações a seguir dizem respeito a estudos ligados às práticas de meditação mindfulness, ok?
O que não quer dizer que um tipo de meditação é melhor do que outro. Fazemos esse recorte apenas porque é nossa área de conhecimento.
Como não é a intenção deste texto, não vou explicar o que é meditação por aqui, mas já temos um outro texto em nosso blog prontinho explicando todos o detalhes e, se quiser, você pode acessá-lo clicando aqui.
O que é relevante pontuarmos nesse momento é que a meditação é um exercício mental e, assim como ocorre quando praticamos regularmente exercícios físicos, ao meditar fortalecemos e exercitamos uma série habilidades e capacidades importantes para manter uma boa saúde mental.
Mas o que isso significa em termos de redução de estresse?
Lembra-se que eu comentei sobre o papel de nossa percepção no processo do estresse?
Nosso cérebro tem função determinante na percepção e há uma área específica, a amígdala, que funciona como um radar para detectar ameaças ao nosso redor. Não é à toa que os cientistas dizem que ela é um nódulo essencial dos circuitos do estresse no cérebro.
Para se ter uma ideia de sua importância, quando estamos estressados a amígdala mostra maior reatividade e fica mais ativa e sensível aos possíveis estressores.
Mas calma, temos boas notícias e é aqui que começamos a responder a pergunta do título: “Será que a meditação realmente pode ajudar a diminuir nosso estresse?”
A resposta curta e simples é SIM. Mas vamos entender como e por quê!
O primeiro indicativo de que a meditação ajuda na diminuição do estresse é exatamente o que eu mencionei nos parágrafos anteriores. A diminuição da reatividade amigdalar indica que há um melhor gerenciamento do estresse.
Nota-se também melhorias relacionadas à atenção que podem contribuir para gerenciar o estresse de forma mais eficiente. Alguns exemplos são diminuição da divagação mental e aumento do foco. A divagação mental muitas vezes pode estar relacionada a pensamentos ruminativos que podem se tornar fontes de estresse significativas.
A boa notícia é que esse benefício pode ser notado em aproximadamente 8 semanas de prática o equivalente a cerca de 30 horas. Ou seja, meditadores iniciantes costumam já experimentar esse benefício.
Há outro incrível benefício, apesar de ser relativamente modesto. Evidências mostram pequenas melhoras nos marcadores moleculares do envelhecimento das células 🙂
Quanto mais, melhor! O que a prática regular e de longo prazo da meditação pode fazer em relação ao estresse?
Ser consistente na sua prática de meditação pode ser ainda mais interessante se tratando dos possíveis benefícios. É o que as evidências indicam quando meditadores ainda mais experientes são analisados.
As habilidades atencionais são fortalecidas ainda mais, além de outras evidências indicarem melhoras mais significativas no gerenciamento do estresse.
Além da diminuição da reatividade amigdalar mencionada anteriormente, há outras mudanças como a diminuição do hormônio cortisol e o fortalecimento de redes neurais que contribuem para regulação emocional.
E quando começamos a ver os benefícios citados nos dois últimos parágrafos?
Segundo os pesquisadores, foi possível identificar tais melhoras em praticantes que tinham acumulado, em média, de mil a dez mil horas de meditação ao longo da vida.
Para mais detalhes, recomendo que leia também este outro texto em nosso blog.
E pode ser ainda mais surpreendente
Ao observarem os meditadores profissionais, em geral, monges e/ou Iogues com tempo acumulado de prática durante a vida entre 12 mil e 62 mil horas, os pesquisadores notaram algumas outras características que chamam a atenção.
Dentre elas estão:
- Pouca atividade cerebral de antecipação à dor (é comum termos atividade mais intensa);
- Recuperação mais rápida após a dor;
- Menor esforço para sustentar a atenção
- Diminuição do apego, da possessividade e do foco em si.
Conclusão
A meditação pode ser uma ferramenta primordial para gerenciar o estresse porque nos permite, entre outras coisas, treinar e desenvolver habilidades relevantes para nosso bem estar e qualidade de vida.
Quer começar a meditar mas não sabe como? Confira o link abaixo:
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